Herança Maldita

Herança Maldita – Um conto de Terror por Paulo Matos

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Um Conto e Tanto

 

Salve galera, hoje trago um conto de horror escrito por um grande amigo, o Paulo Matos, também conhecido como Matuza!

Paulo e eu estudamos juntos na PUC, no curso de jogos digitais e este conto foi escrito por ele para a disciplina de Narratividade, sob a tutela do professor Fabio Fernandes, escritor, professor e tradutor. (By the way, still miss your classes professor).

O conto que reproduzo aqui (com autorização do próprio Paulo Matos) é de longe o que mais gosto entre os que ele escreveu e publicou em seu blog, Um Conto e Tanto.

 

 “Felipe foi o sortudo que herdou uma bela casa do seu tio. Apesar da casa ser no interior de São Paulo, próxima à uma cidade pacata, ele até que gostava dela. Não fossem os estranhos acontecimentos que começaram a perturbar sua mente. Mas tudo era coisa de sua cabeça. Alex, seu amigo, recebia as cartas de Felipe e não imaginava que essa herança pudesse ser a pior coisa que poderia acontecer na vida de alguém.”

 

Herança Maldita

 

“Casa nova”, 7 de maio de 2011.
Prezado Alex,
Como vai, meu velho amigo? Muito bem, eu espero! Você deve estar estranhando uma carta chegando, ao invés de um e-mail. Pelo remetente da carta, você deve ter percebido que não estou mais em Campinas. Lembra-se do meu tio Frederico? Aquele tiozinho excêntrico? Pois é, bateu as botas. Acho que foi ataque cardíaco, mas ninguém confirmou a causa da morte ainda. Não gostavam muito dele, pra dizer a verdade. Mas ele gostava muito de mim. Tanto que me deixou de herança uma casa! Sim, uma casa! No interior, próximo à cidade de Pedregulho. O problema é que fica no meio do mato, uns trinta minutos de carro até a cidade. Não tem telefone, e sinal de celular só tem no centro da cidade. A tecnologia ainda não chegou neste fim de mundo.
Cheguei ontem, estou desfazendo as malas ainda. Tem tanta coisa por fazer! Mas as coisas estão bem por aqui. A casa é um pouco velha: degraus rangendo, cheiro de bolor, encanamento barulhento… E tem ratos! Horrível! Vivem correndo por aí. Embora eu não tenha conseguido pegar nenhum filho da mãe ainda, de vez em quando eu os ouço.
Tem bastante coisa legal do meu tio também, como um piano de cauda, e um armário cheio de pratos com detalhes. Acho que são chineses ou algo assim. Vasos chiques, lustres enormes. Ninguém na minha família sabia que tio Frederico tinha tanta grana.
A noite é terrível aqui, venta muito e como a casa fica afastada da cidade a única iluminação lá de fora é a lua, e uma pequena lâmpada acima da porta dos fundos, que deixei acesa durante a noite. Parece bobagem, mas ouvi dizer que a luz mostra que tem gente, então os animais perigosos não chegam perto. Ah, e os insetos! Você odiaria ficar neste lugar, o barulho que eles fazem durante a noite atrapalha muito o sono.
Mesmo com esses pequenos probleminhas, a casa é fantástica. Enorme, luxuosa… Nunca achei que ganharia algo assim na minha vida. Nem que meu tio tivesse um imóvel assim. Você tem que vir me visitar qualquer hora, depois que eu arrumar a casa, claro. Uma bagunça sem fim! Estou lhe escrevendo sentado no sofá rodeado por pilhas de caixas de mudança. Melhor eu ir arrumar a casa. Prometo que lhe escrevo novamente em breve!
Do seu amigo, Felipe.

* * *

“Casa nova”, 8 de maio de 2011.
Caro Alex:
Espero que tenha recebido minha última carta. Não estou certo de que irão entregar, acho que o pessoal da cidade não gostava muito do meu tio. Quando fui ao correio levar sua última carta, me trataram de maneira estranha. Me evitando, sabe? Como se eu tivesse feito alguma coisa. Povo maluco, viu.
Eu fiz coisas sim, estive arrumando a casa. Na verdade arrumando minhas coisas na casa, pois ela não estava realmente bagunçada. Na verdade não estava bagunçada. Ela estava como se meu tio tivesse a arrumado no dia em que morreu. Menos trabalho pra mim. Tanto que terminei e estou sem fazer nada, por isso já estou te escrevendo novamente. Aparentemente o prazo para chegar a carta aí é de dois dias… Quando chegar alguma resposta sua já vai ter chegado mais cartas.
O céu está claro, parece um ótimo dia para ficar lá fora. Mas ao redor da casa tem uma mata meio densa, acho perigoso. Então fico aqui fuçando nas coisas do meu tio. Lembra que ele era excêntrico? Não era só isso. Achei a biblioteca dele, e tem uma porção de livros estranhos. Umas coisas sobre religiões antigas, uns livros de ficção também. Tem umas coisas assustadoras lá. Ilustrações de pessoas sendo… Enfim, não quero falar disso. Mas no meio de um dos livros eu achei um bilhete muito estranho. Tinha somente uma palavra nele, que eu não conheço. Gostaria de você pesquisasse o significado dela para mim na internet, você poderia fazer esse favor? A palavra é MERST. Tem algo estranho nela, é como se eu já tivesse ouvido ela em algum lugar… MERST. Acho que é a sonoridade, talvez me lembre outra palavra.
Por falar em ouvir, não aguento mais ouvir aqueles ratos. Não consegui dormir direito esta noite. Os ratos ficam lá no andar de baixo, mas pela janela do quarto eu escuto os bichos daquela mata que tem nos fundos. Acredita que um deles quebrou a lâmpada que eu deixei acesa durante a noite? Preciso comprar outra quando for levar esta carta pro correio.
Por favor, procure a palavra, ok? E responda rápido, pois até a resposta chegar demora muito, e estou bem curioso! Um abraço, meu amigo!
Felipe.

* * *

Casa do tio, 9 de maio de 2011.
Alex, como vai?
Estou te escrevendo diariamente agora. Espero que tenha conseguido achar o significado daquela palavra, pois eu estava mexendo nos livros e encontrei outro papel. Estranho que eu achei que o papel havia caído do mesmo livro que o primeiro, mas foi só impressão minha. Pode procurar para mim esta palavra também? É HABORYM. Me pergunto o que será que significa esta, mas MERST é mais estranha ainda. MERST.
Espero que você possa me fazer uma visita logo. É muito ruim ficar sozinho aqui! A casa é muito grande, a mata nos fundos é muito sombria, fico um pouco assustado às vezes. Não acredito nessas coisas de casa assombrada, antes que você pense isso! Quando fui à cidade para colocar a carta no correio, comprei algumas coisas em um armazém. Aproveitei para comprar algumas ratoeiras. As pessoas na cidade agora me olham com uma expressão de enterro. Será que na verdade eles gostavam do meu tio? Continuam me evitando, então não tive coragem de perguntar nada a ninguém. Troquei a lâmpada de fora, mas hoje cedo estava quebrada de novo. Tenho que comprar mais lâmpadas.
Felipe

* * *

Casa chata, 10 de maio de 2011.
Alex:
Desculpe escrever todos os dias, devo estar incomodando você. Mas este lugar não é tão bom quanto eu imaginava. A casa é grande e tudo, mas aqui tem um ar meio sombrio. Continuo não acreditando nessa história de casa mal assombrada, mas hoje eu encontrei outro papel. Começo a pensar se os livros do meu tio são mesmo de ficção… Traduza para mim, Alex, preciso saber o que estas palavras querem dizer. PRECISO SABER. A palavra escrita no papel é KERRO. Percebi mais uma coisa. Quando olho nos papéis contra a luz, consigo ver alguns riscos. O primeiro papel, que dizia MERST tem três riscos. O segundo que dizia HABORYM tem quatro, e o que eu encontrei agora tem apenas um. Parece que indica uma sequência. Isso deve ser uma frase, Alex! PRECISO que você traduza para mim, cara!
Quase não consegui dormir hoje. Muitos barulhos durante a noite. Não comprarei mais lâmpadas para colocar lá fora. Além de tudo ainda quebraram o vidro da janela da cozinha, esses animais malditos. Tem algum animal grande naquela mata, consegui ouvir uns rosnados de madrugada. Várias ratoeiras estalaram durante a noite, mas quando fui ver hoje cedo, não havia nenhum rato preso. E o queijo que deixei não havia sido levado. Mas as ratoeiras foram disparadas. Elas foram disparadas.
E você ainda não sabe do pior: meu carro foi riscado. Será que alguém da cidade está aprontando alguma coisa comigo? Malditos! Mas porque fariam isso? Tudo é muito confuso, não consigo pensar direito.Vou para a cidade hoje, e de tarde vou tentar tirar um cochilo.
Estou ficando meio perturbado. Talvez eu quem acabe te fazendo uma visita.
Felipe

* * *

11 de maio de 2011.
Alex:
Alguma coisa está estranha. Acordei ontem à tarde com a porta da cozinha aberta, e me lembro muito bem de ter trancado ela. O barulho dos ratos estava vindo da sala ao lado, então corri e acendi a luz, mas não consegui ver mais do que uma sombra correndo muito rápida pelo chão. Uma única sombra. E era bem maior do que a sombra de um rato…
Encontrei o terceiro papel. Ele diz a palavra KUTSUA. Não conheço essa língua, mas sei que quer dizer alguma coisa importante. Mas dentre todas as palavras, a que soa mais estranha quando eu digo em voz alta, é MERST. É como se quando eu a dissesse, os barulhos costumeiros parassem. MERST.
Acabei de falar, e por um instante ficou tudo quieto, mas estou ouvindo um barulho alto vindo lá de baixo. No momento estou trancado no quarto. Gostaria que você viesse logo pra cá, Alex. Quero saber logo a tradução destas palavras estranhas. Estou com um pouco de medo. Afinal de contas, talvez haja algo estranho com a casa sim. Se amanhã, dia 12, você não aparecer, farei minhas malas e irei para Campinas passar um tempo.
Felipe

* * *

 

Alex recebeu a primeira carta de Felipe dia 10 de maio. Ele procurou o significado na internet, mas não deu resultado. Dia 11 Alex recebeu a segunda carta. Ele pesquisou o resultado, e ficou chocado, quando se deparou com diversas imagens de uma criatura das trevas, o demônio. Haborym era um sinônimo grego para Satã. Apreensivo, Alex escreveu uma carta contando para Felipe, mas não teve tempo de enviá-la.
Alex estava tendo uma semana difícil no trabalho, e acabou deixando de lado a preocupação com o amigo, já que ele não acreditava em nada daquilo. Achava ridícula a idéia de que existiam criaturas das trevas, ou forças do mal. Achava ainda mais absurdo que o tio de Felipe tivesse livros que falassem sobre isso.
Embora estivesse ocupado, também estava um pouco apreensivo com a sanidade do amigo. Procurou o significado das palavras para ele, e iria enviá-los todos juntos, até que recebeu a última carta de Felipe. Era dia 14, e pelo que o amigo havia dito, já era para ele ter chegado dois dias atrás. Como era sábado, decidiu ir até a tal casa.
Chegando até a cidade de Pedregulho, perguntou em um armazém onde ficava a tal casa. Assim que descreveu Felipe, e seu tio Frederico, o dono do armazém assumiu uma postura de medo, e disse rapidamente qual caminho Alex devia tomar. Alex achou estranho, mas seguiu as orientações do homem.
Chegando na casa, Alex viu o carro de Felipe, coberto de sujeira e arranhados. Não entendia como o amigo poderia deixar o carro assim, até que percebeu que a porta da entrada estava aberta.
Alex se aproximou da entrada, e notou um rastro de sangue que seguia da porta que o vento fazia ranger. Olhando dentro da casa, viu que o rastro de sangue seguia escada acima. Alex ficou amedrontado, e chamou por Felipe diversas vezes, mas não obteve resposta. Pegou seu celular, mas não havia sinal. Relutante, ele entrou na casa, e decidiu ir até a cozinha pegar uma faca. No caminho o enorme lustre balançava, e ele começou a ouvir o barulho dos ratos em algum lugar distante. Um enorme relógio na sala fazia seu tic-tac, num som profundo. Por mais que soubesse que Felipe estava psicologicamente abalado quando escreveu as cartas, correu para a cozinha.
Na parede da cozinha, aquela mesma palavra que seu amigo lhe contou estava escrita com sangue: KERRO. Felipe lembrou-se da tradução. Era finlandês, e significava “diga”. Abriu gavetas de qualquer jeito, fazendo barulho. Enquanto isso o barulho dos ratos estava constante. Voltou para a sala do lustre com o relógio. Na parede da sala estava pintado de sangue: HABORYM. A quarta palavra. Alex ficou desesperado. Não ouviu ninguém entrando na sala enquanto esteve na cozinha, e não era possível que tivesse sido pintado tão rapidamente. Ele começou a tremer, se lembrando das imagens horríveis que encontrou na internet. Correu para as escadas, e foi subindo correndo, chamando por Felipe. Agora ele acreditava no amigo, e precisava tirá-lo de lá rápido. Enquanto subia, percebeu que o barulho se tornava mais alto, mas vinha decididamente do andar de baixo. Pensou em fugir, mas o barulho vinha diretamente da porta de entrada. Chegou ao andar de cima, e seguindo o rastro de sangue, entrou na biblioteca. O rastro seguia até uma cadeira que estava de frente para uma mesa cheia de livros. Alex entrou na sala e fechou a porta atrás de si. O rastro terminava na cadeira, mas não havia sinal de Felipe. O barulho aumentava e Alex estava trancado naquele lugar. Sem saber o que fazer, olhou para os livros em cima da mesa, e viu que só um estava aberto. O barulho estava aumentando, então ele correu para trás da mesa, e então viu pintada com sangue na parede a palavra MERST. Não sabia seu significado, mas isso não tinha importância naquele momento. Passos na escada. Essa era a melhor definição do barulho que estava aumentando cada vez mais.
O livro em cima da mesa mostrava uma figura de um demônio, e algumas coisas escritas em finlandês. Felipe devia ter descoberto por ele mesmo o que significava Haborym, pois estava escrito isso logo acima da imagem. O barulho de passos subindo a escada parou, como se a pessoa tivesse chegado ao andar de cima. Os passos foram ficando cada vez mais próximos da biblioteca, ele ouvia o som chegando, até que os passos pararam diante da porta fechada.
Alex se lembrou do que Felipe havia escrito, que toda vez que ele dizia a palavra MERST os ruídos paravam. Talvez afinal de contas essa palavra servisse para afastar o demônio. O que conseguiu traduzir da frase era “diga” e “Haborym”. MERST deveria afastar o demônio. Felipe teria dito isso e fugido sangrando da biblioteca, isso que teria acontecido. Então gritou:
– MERST! MERST! MERST!
Por um instante nada aconteceu. Alex não pensou que o motivo do rastro de sangue terminar subitamente e não haver corpo seria porque o corpo teria sido devorado inteiro onde o rastro acabou.
Alex baixou seus olhos para o livro, e viu algumas anotações em português. Viu a frase escrita na ordem correta: Kerro MERST kutsua Haborym. Lembrou-se que não havia achado a tradução de kutsua. Mas não havia problema, pois havia uma seta indicando a palavra kutsua e sua tradução. Ao mesmo tempo em que lia a tradução, ouviu um clique, e a porta trancada a sua frente se abriu com um lento rangido.

* * *

Na página manchada de sangue, mais tarde, podia-se ler a palavra “convide”. Também se podia ler que depois de pronunciada a palavra MERST, o demônio Haborym demora quatro dias até dilacerar quem o convocou.

Mas não havia ninguém para ler.

Ninguém. A não ser você.

 

 

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Arameikos Klautzer
Sr Geek Supremo Fodão Pica das Galáxias; Libertador de Mordor e da Terra Média; Senhor Supremo da Antártida; Designer Gráfico em Formação, mas mesmo assim Foda! Degustador Supremo de Cervejas; Lindo, Charmoso, Inteligente e Humilde; Tricampeão do Prêmio Humildade é Tudo Nessa Vida